sábado, 20 de maio de 2017

"Preciso de um Homem..."


“Preciso de um homem
que seja como um menino
inocente e meio desastrado
que necessite dos meus cuidados
e a meu redor se faça pequenino.

Que seja dengoso e faça beicinho
querendo receber meus afagos.
Um homem…
Que seja como adolescente.
Teimoso, mas muito carinhoso
quando fala suave ao meu ouvido,
ser somente o meu carinho
a razão da sua vida, e desse modo,
faça-me sentir muito querida.
Preciso de um homem
que o seja de verdade.
Que quando me abraçar
o faça com sinceridade.
Que faça de mim o seu tudo,
como um homem faz
da mulher que ele quer.
Um homem…
Que ao ficar maduro
sua palavra seja tão séria
que não precise dizer “eu juro”.
Que seja íntegro e honesto,
me faça sentir feliz sempre,
estando longe ou perto.
Preciso de um homem
a quem o meu amor baste.
Que vendo além da aparência
perceba a luz da minha alma,
me ame pelo que eu sou
e a mim entregue o seu amor
com toda a sua essência.
Sim, quero um homem que
quando velhinho ame do mesmo jeito,
com ternura e muito carinho.
lhe diga com sinceridade:
Obrigada querido por fazer-me tão feliz,
minhas esperanças não foram vãs.”


Martin Luther King

“O Amor e o Vinho”


Pense-se, por exemplo, na relação que existe entre o bebedor e o vinho. Não é verdade que o vinho oferece sempre ao bebedor a mesma satisfação tóxica, que a poesia tem comparado com frequência à satisfação erótica — comparação, de resto, aceitável do ponto de vista científico? Já alguma vez se ouviu dizer que o bebedor fosse obrigado a mudar sem descanso de bebida porque se cansaria rapidamente de uma bebida que permanecesse a mesma? Pelo contrário, a habituação estreita cada vez mais o laço entre o homem e a espécie de vinho que ele bebe. Existirá no bebedor uma necessidade de partir para um país onde o vinho seja mais caro ou o seu consumo proibido, a fim de estimular por meio de semelhantes obstáculos a sua satisfação decrescente? De modo nenhum. Basta escutarmos o que dizem os nossos grandes alcoólicos, como Bócklin, da sua relação com o vinho: evocam a harmonia mais pura e como que um modelo de casamento feliz. Porque é que a relação do amante com o seu objecto sexual será tão diferente?

Sigmund Freud, in 'Contribuições à Psicologia da Vida Amorosa (1912)'

“Tremo por Ti que És o Meu Único Amigo”




António,

Tenho imensas coisas que te dizer e não sei o que hei-de dizer, tão arreliada estou e tão sem cabeça para pensar a coisa mais insignificante deste mundo. Que linda noite, tu vais passar, Amigo querido! E eu? A pensar que a maldade e a estupidez desta vida que no nosso desgraçado país é um horror, me pode fazer o mal maior que a alguém se pode fazer. Tenho medo, tenho medo, meu amor. Este desassossego contínuo põe-me doente e faz-me doida.

Então eu hei-de passar a minha triste vida a tremer por ti? Eu tenho pouca sorte, e quando enfim encontro no meu caminho alguém que gosta de mim, por mim, como se deve gostar, que pensa na minha felicidade, no meu sossego, alguém que se digna ver que eu tenho alma a sentir, quando encontro enfim no mundo o que julgara não encontrar nunca, hei-de andar como o avarento a tremer pelo tesoiro que levou anos, uma vida inteira a conquistar e que lhe podem roubar num momento. Eu tenho pouca sorte! Que Deus tenha piedade de mim.

Quereria dizer-te muitas coisas mas nem sei o que; só tenho vontade de chorar e de gritar desesperadamente, com a cabeça enterrada nas almofadas para ninguém me ouvir. Se tu não tivesses vindo hoje, o que seria de mim, toda esta imensa noite sem saber de ti. E quantas noites hei-de eu passar assim! É impossível que eu resista muitos anos à vida passada assim. Antes Deus me leve depressa, depressa, depressa. O que estás tu agora a fazer, amor? São quase 2 horas e estou ansiosa a querer ouvir não sei o quê, a querer escutar, a querer adivinhar o que lá fora se passa. Uma porta que se fecha, um cavalo que passa a galope, um grito, sobressaltam-me como se um perigo imenso me ameaçasse.

Amanhã, se isto estiver assim, se estiveres de prevenção, não vou ao teatro, com certeza. Como posso eu aturar aquilo? Para estar a aborrecer os outros, é melhor ficar em casa a tremer como uma pateta que sou. Mas eu tremo por ti que és o meu único amigo, que és o meu noivo, aquele que só pensa em mim e na felicidade de toda a minha vida. Em mim não me afadigo a pensar. Não há meio de morrer, de desaparecer por uma vez, bem coberta de terra, bem esquecida de todos. De ti, não. Sou má, perdoa-me. Tenho a certeza que me mandarias crisântemos brancos e rosas vermelhas que são minhas flores predilectas. Tenho a certeza que não me esquecerias. Mas tu não queres que eu fale nestas coisas, pois não? Falemos antes da nossa casinha, do nosso ninho que há-de ser como aquele de que falavam os rouxinóis:

"O nosso ninho é pequeno
Mas chega bem para dois."

Não é assim, meu amor? A propósito de casa, quero falar contigo para ver se te convém uma coisa que pensei e em que já falei aqui à Margarida. Amanhã te direi ou quando puder ser. Manda notícias, sim? Ama-te muito a tua Bela.

Florbela Espanca, in 'Carta a António Guimarães (1920)'

“Vim para os Teus Braços Chicoteados pela Vida”




Então tu pensas que há muitos casais como nós por esse mundo? Os nossos mimos, a nossa intimidade, as nossas carícias são só nossas; no nosso amor não há cansaços, não há fastios, meu pequenito adorado! Como o meu desequilibrado e inconstante coração d'artista se prendeu a ti! Como um raminho de hera que criou raízes e que se agarra cada vez mais. Vim para os teus braços chicoteada pela vida e quando às vezes deito a cabeça no teu peito, passa nos meus olhos, como uma visão de horror, a minha solidão tamanha no meio de tanta gente! A minha imensa solidão de dantes que me pôs frio na alma. Eu era um pequenino inverno que tremia sempre; era como essa roseira que temos na varanda do Castelo que está quase sempre cheia de botões mas que nunca dá rosas! Na vida, agora há só tu e eu, mais ninguém. De mim não sei que mais te dizer: como bem mas durmo mal; falta-me todas as manhãs o primeiro olhar duns lindos olhos claros que são todo o meu bem.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1921)"

terça-feira, 9 de maio de 2017

“As Saudades que Sinto de Ti”


Meu Bebé, meu Bebezinho querido: 

Sem saber quando te entregarei esta carta, estou escrevendo em casa, hoje, domingo, depois de acabar de arrumar as coisas para a mudança de amanhã de manhã. Estou outra vez mal da garganta; está um dia de chuva; estou longe de ti — e é isto tudo o que tenho para me entreter hoje, com a perspectiva da maçada da mudança amanhã, com chuva talvez e comigo doente, para uma casa onde não está absolutamente ninguém. Naturalmente (a não ser que esteja já inteiramente bom e arranje as coisas de qualquer modo, o que faço é ir pedir guarida cá na Baixa ao Marianno Sant’Anna, que, além de me dar de bom grado, me trata da garganta com competência, como fez no dia 19 deste mês quando eu tive a outra angina.

Não imaginas as saudades de ti que sinto nestas ocasiões de doença, de abatimento e de tristeza. O outro dia, quando falei contigo a propósito de eu estar doente, pareceu-me (e creio que com razão) que o assunto te aborrecia, que pouco te importavas com isso. Eu compreendo bem que, estando tu de saúde, pouco te rales com o que os outros sofrem, mesmo quando esses «outros» são, por exemplo, eu, a quem tu dizes amar. Compreendo que uma pessoa doente é maçadora, e que é difícil ter carinhos para ela. Mas eu pedia-te apenas que «fingisses» esses carinhos, que «simulasses» algum interesse por mim. Isso, ao menos, não me magoaria tanto como a mistura do teu interesse por mim e da tua indiferença pelo meu bem-estar.

Amanhã e depois, com as duas mudanças e a minha doença, não sei quando te verei. Conto ver-te à hora indicada amanhã — às 8 da noite ou de aí em diante. Quero ver, porém, se consigo ver-te ao meio-dia (embora isso me pareça difícil), pois às 8 horas quem está como eu deve estar deitado.

Adeus, amorzinho, faz o possível por gostares de mim a valer, por sentires os meus sofrimentos, por desejares o meu bem-estar; faz, ao menos, por o fingires bem.
Muitos, muitos beijos, do teu, sempre teu, mas muito abandonado e desolado

Fernando

Fernando Pessoa, in 'Carta a Ofélia Queiroz' (28 Mar 1920)

“Preciso de Ti”


O amor é bem capaz de ser a melhor maneira de nos encontrarmos conosco.
Preciso de ti para saber de mim.
Sei-o sempre que por minutos parece que vou perder-te, numa discussão das que vamos tendo. Discutir é abrir a válvula do amor, deixá-lo respirar, sangrá-lo para poder regressar à estrada. Nenhum amor aguenta sem sangrar.
Preciso de ti para pensar em mim.
Sei-o porque quando parece que vais eu vou também, deixo de saber quem sou, como sou. Para onde vou.
Preciso de ti para precisar de mim.
E os que não me entendem que vão para o raio que os parta. Os que dizem que isto não é nada recomendável, que isto não devia ser assim, que eu devia ser capaz de ser o que sou sem precisar de ti. Infelizes.
Preciso de ti para cuidar de mim.
O amor é bem capaz de ser precisar do outro para cuidarmos de nós.
E eu cuido-me. Quero estar viva para te poder amar. Conheces melhor motivo do que esse? É claro que amo os meus pais, a minha família toda, os meus gatos, aquilo que a vida me tem dado. Mas se quero estar viva é antes de mais nada porque é a vida que te traz até mim.
Mudei a vida toda para te dedicar a minha vida.
E sou feliz. E não deixo de ser a mesma mulher que sempre fui. Não deixo de ser a mulher com cabeça, com ideias. Não deixo de ser a mulher singular que se apaixonou por ti e que te apaixonou também.
Sou mais eu sempre que sou tua.
E sou sempre tua.
Amo o que me fizeste ser. O que me fazes ser. Amo a mulher em que contigo me tornei. Amo saber que tenho em mim o que te faz querer-me em ti. Somos os dois prisioneiros mais livres de todo o universo. Somos os dois escravos mais felizes da História da Humanidade.
Escraviza-me completamente e faz-te escravo de mim, ordeno-te.
Não seguimos os manuais. Os manuais que ensinam o amor em part. time, o amor saudavelzinho. O amor em doses. O amor dividido em rações. O amor como uma empresa. Que tristeza.
Consumimo-nos sem moderação porque se é moderado já não é amor.
Somos ridículos na maneira como nos amamos mas só quem nunca amou é ridículo.
O amor é bem capaz de ser a melhor maneira de ser ridículo.

Pedro Chagas Freitas, in 'Queres Casar Comigo Todos os Dias, Bárbara?'

sábado, 6 de maio de 2017

“O Amor Certo”


Penso em tudo o que os homens sentem pelas mulheres que amam e tento dizer o que nos une nesse amor. Fora dos pormenores e das particularidades. Sei que as mulheres que nos amam não nos amam de maneira diferente mas, como nunca se sabe, deixei-as de fora, falando apenas pelo meu gênero: a malta.

Minha amada querida. O meu pai, logo depois de se ter apaixonado pela minha mãe, disse-lhe, em pleno namoro (ela uma mulher inglesa casada, com uma filha pequena; ele um solteirão português): «Se soubesses quanto eu te amava, destruías-me já.» E disse a verdade. Era tanto o amor e o ciúme que lhe tinha, que fez mal à mulher que amava, minha mãe, e mal ao homem que a amava: ele próprio, meu pai.

O amor é um castigo: é um desespero: é um medo. O amor vai contra todos os nossos instintos de sobrevivência. Instiga-nos a cometer loucuras. Instiga-nos a comprometermo-nos. Obriga-nos a cumprir promessas que não somos capazes de cumprir. Mas cumprimos.

Eu amo-te. E não me custa. É um acto de egoísmo. Mesmo que tu me odiasses mas te odiasses tanto a ti própria que não te importasses de ficar comigo, eu seria feliz e agradeceria a Deus a tua inconsciência; a tua generosidade; qualquer estupidez ou inteligência que te mantivesse perto de mim.

A sorte não é amar-te nem tu me amares. A sorte é ter-te ao pé de mim. Tu podes estar enganada. Deves estar enganada. Mas ninguém neste mundo, por pouco que me ame ou muito que te ame, está mais certa para mim. Obrigado.

“Escuta, Amor”


Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.

Por isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.

Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o teu rosto, fotografados imperfeitamente, são moldados pelas noites metafóricas e pelas manhãs metafóricas. Talvez outras pessoas chamem entendimento a essa certeza, mas eu e tu não sabemos se existem outras pessoas no mundo. Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos. Agora, somos uma única rocha, uma única montanha, somos uma gota que cai eternamente do céu, somos um fruto, somos uma casa, um mundo completo. Existem guerras dentro do nosso corpo, existem séculos e dinastias, existe toda uma história que pode ser contada sob múltiplas perspectivas, analisada e narrada em volumes de bibliotecas infinitas. Existem expedições arqueológicas dentro do nosso corpo, procuram e encontram restos de civilizações antigas, pirâmides de faraós, cidades inteiras cobertas pela lava de vulcões extintos. Existem aviões que levantam voo e aterram nos aeroportos interiores do nosso corpo, populações que emigram, êxodos de multidões famintas. E existem momentos despercebidos, uma criança que nasce, um velho que morre. Dentro de nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as partes.

Questiono os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo.
    Escuta,
    ouve.
    Amor.
    Amor.

José Luís Peixoto, in 'Abraço'

segunda-feira, 1 de maio de 2017

“A Música”




A música pra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d'um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoções
D'um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões

Conseguem a minh'alma acalentar.
Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrível me exaspera!

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães.

“Se Me Esqueceres”

Pablo Neruda


Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.

Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.

Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.

Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.

Pablo Neruda